Bojack e meu pai


Há alguns meses experimentei um quadro depressivo. Acompanho Bojack Horseman desde seu lançamento em 2014, quando recém tinha completado meus 15 anos de idade. Na sexta feira passada desse post foi lançada a quarta temporada, assistida de uma única vez por mim enquanto gritava pro Bojack ver um terapeuta. Sempre houveram identificações com o personagem mais humano da Netflix: o cavalo inseguro, auto-sabotador, que de certa forma desistiu, mas não completamente. Durante as temporadas anteriores acompanhamos sua jornada, sua tentativas de continuar, fracassar e tentar tudo de novo. Sem finais felizes, mas com um pingo de esperança. Identificação. Os finais eram verdadeiros. 

Em uma entrevista o criador da série afirma que nunca foi a intenção do Bojack ser a "voz atual da depressão", mesmo ocorrendo um certo movimento coletivo de identificação da doença por uma parcelas de fãs. Eu não sei quando notei esse lado da série, se sempre foi dessa maneira que enxergo hoje, se eu me transformei com esse carinho tão especial. Esse acolhimento foi entendido pela produção e aplicado em cenas muito sensíveis.


Ainda assim não acolhia o seriado pra esse fim, não racionalmente. Meu objetivo sempre é dar gostosas risadas, toda essa reflexão vem de brinde, cada vez mais intensa, ganhando densidade. Você se importa com cada personagem ali. Até que em um momento não é exclusivo para rir. Você permanece por outros motivos.

Não diria que a exata sombra que situa-se na minha pessoa está presente no Bojack, e vice-versa. São elementos comuns que me aproximam empaticamente: a sensação de falha, as vozes desmotivadoras da própria cabeça e a tentativa exagerada de fuga; feita por ele utilizando o abuso de drogas, sexo e relações. No final, ambos nos sentimos, em algum momento, quebrados, e não merecedores de uma certa felicidade. Bojack quebra a possibilidade de alegria com as ferramentas que tem, eu com as minhas. Ninguém é realmente responsável por isso, fico feliz por estarmos aprendendo isso ao longo dessa temporada.
As motivações ficam mais explícitas, os sintomas mais aparentes e a história por trás do que provoca aquilo tudo. Nada vem do nada. Nesse momento me dou conta que a história não é sobre mim, mas sobre o meu pai.

Eu não tenho um histórico de abuso familiar, nem problemas com drogas. Entretanto por várias vezes, ainda me sinto quebrado. Eu conheço alguém que tem tais problemas. 

Meu pai é uma figura importante na minha formação. Não em conselhos ou ideais, porém na conclusão do Clube dos Cinco sobre a sua iminente transformação em seus criadores. Isso era algo inadmissível pra mim. O que na minha infância foi um medo, hoje é somente um ponto. De que maneira esse ponto é um peso pra ele? De que maneira ele sofre por esse mesmo medo, e uma outra ansiedade por replicar isso comigo?
Ele sempre apareceu em seus momentos bons, estáveis. Após acontecimentos recentes na minha adolescência guardei um grande rancor disso, por vê-lo somente bem, por me esconder a parte sombria e real. Apenas me levantava a ira de não poder ajudar, e questionamentos sobre o porquê de escolher esse caminho, de recusar ficar bem, de fazer qualquer escolha para se quebrar novamente.
Sim, são as drogas, as relações ou outro escape. Mas a verdade é que nós três não estamos preparados para lidar com a felicidade, ela parece mais aterrorizante que o próprio vazio. Hoje entendo esse motivo, com uma certa carga de perdão. 

A atual temporada é sobre esse ciclo vicioso. Sobre a sombra espelhada como um legado. Sobre uma mãe que não sabia que suas ações eram ruins, sobre um filho que não aprendeu a lidar com isso. Sobre uma filha que tem as mesmos ânsias.

Somos apresentados a filha de Bojack, que faz esse contraponto perfeito. Ela é insegura, engraçada, e tem 18 anos. Fruto de uma família amorosa, mas ainda sim é uma estranha  a si mesma com seus sentimentos. Adorei isso. A abordagem do Bojack relacionado a ela, como ele caminha nessa temporada pra fazer menos merda e aprender. Como ele se dispõe a se machucar novamente por alguém. No final da temporada, de novo há a esperança de um dia por vez.





Unknown

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